Breve resumo

Em uma de suas fantasias, Elio se vê confrontado por uma versão de si mesmo que questiona: “Por que você busca fora o que só existe dentro?”. Ele começa a se perguntar sobre sua própria natureza, seus medos e desejos mais profundos.

Elio olhou-se como nunca tinha feito e se deparou com um sujeito despido de certezas; ao contrário, as dúvidas assomavam à mente, trazendo questões do tipo: “Por que você procura fora o que já tem dentro de si?” Assim, suas fantasias davam conta agora de questionamentos mais profundos e relacionados a si próprio, algo para o qual não havia se preparado como acontecia à maioria das pessoas que conhecia. Era como se sua natureza cobrasse uma conta, levantando dúvidas acerca de sua capacidade de lidar com seus medos e desejos mais profundos.

Elio simplesmente estava acossado às cordas da sua existência. Não entendia direito o que aquela versão de si mesmo queria dizer com achar dentro si próprio o que precisava, sem necessidade de buscar fora de si. “Filosofia barata”, arriscou-se a pensar de repente. Como raios que atravessam o céu em dia de tempestade, suas dúvidas ciscavam pelo córtex cerebral, configurando uma dança de interrogações sem fim que fazia o sentido do próprio “eu” se esvair em meio à incerteza de quem realmente era.

A pergunta ecoava, um mantra torturante: O que há dentro de mim que poderia ser suficiente?

Ele vasculhou os recônditos da própria mente, como quem revira gavetas à procura de um documento vital. Encontrou memórias embaralhadas, conhecimentos técnicos arrumados com precisão militar, sonhos antigos empoeirados e um medo ancestral – surpreendentemente vívido – de não ser digno, de ser uma fraude.

“Filosofia barata”, repetiu para si, tentando se agarrar ao ceticismo como a um salva-vidas. Era mais confortável acreditar que a pergunta era ingênua do que admitir que ele não conhecia a resposta. Porque não conhecer a resposta para uma equação é um desafio. Não conhecer a resposta para si mesmo é um desastre.

O “eu” que ele sempre acreditara ser – Elio, o programador, o sujeito lógico, o solucionador de problemas – começou a se desfazer como um fio puxado na borda de um pulôver. Cada fio que se soltava revelava não a resposta, mas outra pergunta mais assustadora por baixo.

Quem era ele quando ninguém estava olhando, nem mesmo ele próprio? Quem era ele por trás dos títulos, dos hobbies, das opiniões que defendia? Eram aqueles seus desejos, ou desejos que ele achou que deveria ter? Sua personalidade era uma construção autêntica ou um mosaico de expectativas alheias que ele havia colado com o tempo?

A dança das interrogações não era mais uma dança; era um cerco. As cordas da existência apertavam-se, não para esmagá-lo, mas para forçá-lo a encarar o vazio no centro do ringue. E no centro desse vazio, não havia um adversário. Havia um espelho. E o reflexo não era claro. Era uma sombra, uma silhueta de todas as coisas que ele se recusava a ser: o medroso, o preguiçoso, o egoísta, o insignificante. Era a versão de si que seus devaneios heroicos existiam para compensar.

Ela não dizia nada. Apenas olhava para ele a partir do fundo de seu próprio ser. E seu silêncio era mais eloquente que qualquer palavra. Ele percebeu, com um frio na espinha, que aquela sombra não era um invasor. Era uma parte dele. Negada, reprimida, escondida, mas parte integrante.

A pergunta inicial, “por que buscar fora?”, começava a fazer um sentido cruel e invertido. Ele buscava fora – na carreira, no reconhecimento, nas fantasias de grandeza – precisamente porque tinha medo do que encontraria dentro. Tinha medo de encontrar não um gênio ou um herói, mas aquela sombra comum, assustadoramente humana, cheia de falhas e contradições.

O drama não era mais sobre criatividade bloqueada ou fantasias curiosas. Era mais fundamental. Era sobre a própria natureza daquela criatura que habitava sua pele. Era racional? Era emocional? Era boa? Era egoísta? Era um ser de luz ou de trevas?

Elio não tinha as respostas. Mas a semente da dúvida, agora plantada no solo mais fértil de seu íntimo, rachava seu casulo. Pela primeira vez, a pergunta “Quem sou eu?” não soou como uma indagação filosófica abstrata, mas como um grito de sobrevivência. Um grito que pedia, não por uma resposta pronta, mas por uma busca. Uma busca pela sua própria, complexa e assustadora, natureza humana.

Era aterrador. Mas, no fundo, sob o medo, uma centelha minúscula de algo se acendeu: o reconhecimento de que esta era a única investigação que verdadeiramente importava.


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