Breve resumo

Frustrado, Elio começa a se perder em devaneios. Ele fantasia mundos onde é um herói, um inventor genial, um artista reverenciado. Essas fantasias não são fuga, mas o primeiro passo para visualizar possibilidades.

Ele mesmo? Como assim? Ele, Elio, precisava ser autocompreendido ou coisa assim? Perguntas que lhe vinham como lufadas de vento. Devanear nem era uma escolha, mas sim como sentenças oníricas de um sonhar acordado. Via-se como herói, salvando sua filha de um sequestro relâmpago, lhe impingindo até mesmo as sensações neuróticas do terror psicológico que poderiam se estender se ele não interferisse heroicamente no salvamento de Fernanda. Na realidade, o mundo onírico estava aberto às experimentações vivenciais e logo Elio se viu como um inventor genial, que, vestindo-se com um avental branco em um laboratório especializado, enxergava através de um microscópio de alta precisão, tendo a seu lado um espectrômetro para avaliações mais detalhadas de seu experimento. Sua veia perscrutativa e curiosa parecia lhe acender ainda mais as sensações quase incontidas. Dessa imagem para outra era questão de segundos, e logo Elio já via outra imagem, agora ele como um ator sendo reverenciado em um palco depois de apresentar a peça de seus sonhos despertos. Tudo acontecendo a jato, como um meio de levá-lo às dimensões cada vez mais profundas e imprevisíveis de possibilidades visionárias, que, ao fim, ele considerou ser uma fuga. Será mesmo uma fuga?

A pergunta ecoou na câmara de reverberação de sua mente: Será mesmo uma fuga? E, como se a dúvida fosse um interruptor, o fluxo de imagens desacelerou. O aplauso ensurdecedor do público foi substituído por um silêncio súbito. O palco vazio. O laboratório, escuro.

Ele não estava mais apenas fantasiando. Ele estava observando-se fantasiar. Sua mente inquisitiva, a mesma que dissecava linhas de código, agora voltava-se para o próprio mecanismo da fantasia.

E percebeu: não era uma fuga do real, mas uma fuga para o possível.

Cada cenário que sua mente construía era uma pergunta disfarçada. O herói que salvava Fernanda não era sobre violência; era sobre proteção, sobre o poder de intervir no caos. O inventor no laboratório não era sobre vaidade; era sobre a sede de descobrir, de desvendar os mecanismos secretos da existência. O ator aclamado não era sobre fama; era sobre ser visto, sobre a validação de expor uma verdade interior para o mundo.

As fantasias eram um espelho quebrado, e cada fragmento refletia uma parte dele mesmo que ele não ousasse examinar de frente. Seus desejos mais profundos, seus medos mais arraigados, suas capacidades latentes – tudo isso ganhava roupagem e cenário no teatro privado de seu espírito. Era sua psique tentando dialogar consigo mesma em uma linguagem que ele, Elio o lógico, pudesse começar a decodificar: a linguagem do símbolo e da metáfora.

Deixou-se levar novamente, mas agora com uma intenção diferente. Já não era um rio desgovernado carregando-o. Ele era um explorador navegando deliberadamente por seus afluentes internos. “Mostre-me mais”, sussurrou para o sussurro.

E a mente obedeceu. Viu-se velho, sábio, escrevendo um livro em uma cabana à beira-mar. A imagem não vinha com aplausos, mas com uma paz profunda. Viu-se fracassando miseravelmente em um projeto, mas levantando-se no dia seguinte com uma determinação tranquila que ele não se reconhecia possuir. Viu-se simplesmente caminhando por uma estrada sem fim, sem destino, completamente presente em cada passo.

Cada visão era um caminho diferente, uma versão diferente de Elio. Algumas eram brilhantes e atraentes, outras sombrias e assustadoras. Todas, ele começou a entender, eram potenciais.

A última imagem da noite não foi grandiosa. Foi simples. Ele viu-se sentado em sua própria cadeira, em seu próprio apartamento, olhando pela janela. Mas o olhar não era de vazio ou angústia. Era de curiosidade serena. Era o olhar de alguém que se reconhece como um universo a ser explorado.

O devaneio cessou. Elio voltou a si, a sala escura ao seu redor. Mas algo havia mudado. O apartamento era o mesmo, o caderno de esboços ainda aberto na página dos pontos de interrogação. Só que agora, aquelas interrogações não pareciam mais um muro. Pareciam portas.

Ele não havia fugido. Haviam-lhe mostrado o mapa. O desafio agora era aprender a lê-lo.


Próximo Capítulo: A Semente da Dúvida – Natureza Humana