Breve resumo

Elio é um jovem que sente um vazio e uma vontade constante de criar algo, mas não sabe o quê. Ele rabisca em cadernos, mexe em softwares, mas nada preenche a lacuna. Ele só ouve um sussurro criativo que não consegue decifrar.

A estranheza em pessoa. Elio até poderia ser interpretado assim, mas estava além disso. Movia-se em surdina, os ouvidos da alma porém atentos. Um mundo em rebuliço mexia-se em suas entranhas, a mente tentando escapar das escaramuças da tentação de ir por um ou ir por outro caminho. Era até fácil para ele tomar alguma iniciativa, mas não sabia bem o que fazer. No entanto, em seu íntimo acontecia um barulho (um sussurro inoportuno?) que lhe fazia rabiscar o caderno, mexer em softwares – sim, Elio era um programador experiente -, contudo nada parecia preencher a lacuna de sua alma. O sussurro que não conseguia decifrar era o único “ruído” que ressoava de sua alma. Ele poderia jurar que se tratava de alguma coisa ligada à sua personalidade perscrutativa e inquisitória, o leve traço pessoal de buscar conhecer o que se escondia atrás das coisas e da própria realidade. Mas agora sentir esse vazio que parece não ter remédio era um fenômeno que de algum modo lhe atormentava. Criar algo novo depois de tanta coisa lhe dava a sensação de que não conseguiria, desde que suas ideias ficaram absolutamente furtivas.

As linhas de código que ele escrevia eram perfeitas, lógicas, impecáveis. Resolviam problemas com elegância algorítmica, e era nisso que residia o paradoxo: a perfeição de seu trabalho era a antítese do caos criativo que lhe assombrava. Cada ifelse e while era uma porta que se fechava, não que se abria. O caderno de esboços ao lado do teclado era o testemunho mudo dessa luta. Rabiscos abstratos que começavam com a força de um furacão e esmaeciam em traços hesitantes, como se a mão perdesse a coragem no meio do caminho.

O sussurro não era uma voz, mas uma presença. Uma espécie de sombra de um projeto não nascido, uma melodia de uma música não composta. Era a assinatura de uma potencialidade que se recusava a tomar forma, preferindo assombrá-lo da fronteira entre o sonho e a ação. Elio sentia-se como um jardineiro surdo, capaz de sentir o tremor da terra anunciando o broto de uma flor extraordinária, mas incapaz de ouvir seu nome ou ver sua cor.

As noites eram as piores – ou as melhores, ele não sabia dizer. Era quando o ruído do mundo se aquietava e o sussurro interior ganhava volume, transformando-se num clamor quase insuportável. Ele perambulava pelo apartamento, suas digitais gravadas na poeira dos móveis, seus olhos evitando o próprio reflexo na tela escura do monitor. A vontade era de fazer, mas o corpo parecia ancorado no fundo do mar, movendo-se com lentidão onírica contra a pressão de suas próprias expectativas.

Certa madrugada, durante mais uma dessas vigílias fúteis, sua mão, quase por vontade própria, pousou sobre uma página em branco do caderno. Ao invés de rabiscar formas ou escrever palavras, simplesmente traçou um grande ponto de interrogação. E depois outro. E mais outro. Até que a página não era mais branca, mas um campo de batalha onde a única arma era a pergunta.

E foi então, olhando para aquele exército mudo de interrogações, que ele teve o primeiro vislumbre. O sussurro não era o problema; era o sintoma. Era o eco de algo maior. Não se tratava de criar algo novo no mundo. Tratava-se de descobrir algo novo dentro de si. A lacuna não era da sua alma, era na sua percepção dela.

A criatividade, ele percebeu com um arrepio, não estava no software, não estava no caderno. Estava no silêncio entre um pensamento e outro. No espaço entre um batimento cardíaco e o próximo. Ela era o próprio sussurro. E ela não pedia para ser decifrada; pedia para ser seguida.

O chamado não era para construir um projeto, mas para embarcar em uma busca. O vazio não era uma sentença, era um convite.

E pela primeira vez, em vez de medo, Elio sentiu uma centelha de curiosidade — inquisitória e perscrutativa como sempre — mas agora direcionada para a maior das interrogações: ele mesmo.


Próximo Capítulo: O Sonho Acordado – Fantasiar