
VIVER
Viver é a experiência de existir e interagir com o mundo, marcada pela busca de significado, emoções e relações. Esse conceito universal abrange não apenas a sobrevivência física, mas também a construção de histórias e legados em diferentes culturas e contextos.
A vida é aquilo que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos.
Sussurros de um Novo Começo: Milena e o Colar da Memória
Abriu os braços para o céu e agradeceu. Milena estava tão grata que seu semblante irradiava luz. Reflexo de seu sentimento elevado. Seus planos tinham ido para as cucuias. Ela fora salva milagrosamente e isso compensou com sobras seu estrondoso fracasso. Enquanto a brisa suave balançava seus cabelos, Milena fechou os olhos e respirou profundamente, sentindo a vida pulsar ao seu redor. Cada folha nas árvores parecia sussurrar a ela segredos de oportunidades perdidas e sonhos ainda por vir. Ela percebeu que o valor de viver ia além das conquistas; estava na capacidade de recomeçar, de apreciar os pequenos momentos que muitas vezes passam despercebidos. Então, em um impulso de gratidão, decidiu que iria se aventurar por um caminho novo, unindo pessoas de sua comunidade para criar um jardim comunitário, onde cada um poderia colher não apenas frutos, mas também amizade e esperança.
Contudo, ao cavar o solo, algo brilhante começou a emergir da terra. Intrigada, Milena se aproximou e, ao desenterrar o objeto, descobriu um antigo colar adornado com uma pedra preciosa que parecia pulsar com uma luz própria. Ao tocá-la, uma onda de memórias e histórias de vidas passadas invadiu sua mente, revelando que aquele espaço fora um refúgio de amor e resiliência. Pensou que, de alguma forma, aquilo era um chamado, não apenas para ela, mas para todos que dela se aproximassem, como se a vida estivesse lhe entregando um tesouro que ecoava a mensagem eterna: sempre há beleza e renascimento, mesmo após os maiores desastres.
A Arte do Abandonar
Viver não é apenas um ato de presença, mas uma dança de entregas, onde o verdadeiro desapego se torna a melodia que rege nossos dias. Costumamos pensar na vida como uma coleção de conquistas, metas a serem alcançadas, experiências a serem acumuladas. No entanto, talvez a essência do viver resida menos em agarrar e mais em soltar.
Imagine por um momento que cada momento vivido seja areia nas mãos. Quanto mais forte você apertar, mais rápido ela escorregará pelos seus dedos. O paradoxo do viver é esse: para desfrutar da areia, é preciso deixá-la fluir. Viver plenamente pode, portanto, significar aprender a acolher a transitoriedade, a incerteza e até mesmo a dor como partes essenciais da experiência.
Abandonar não é um ato de desistência, mas um abraço à liberdade. À medida que largamos o apego às expectativas, ao futuro e até mesmo às certezas que construímos, encontramos um espaço fértil para o novo. É nesse terreno de incertezas que as flores mais vibrantes da criatividade, da autenticidade e do amor podem brotar.
Viver é um convite à curiosidade. É se permitir errar, se reinventar e até se desalinhar. Cada escolha pode parecer um desvio no caminho que traçamos, mas, na verdade, é um redirecionamento para um lugar que nunca imaginamos ser nosso. E é isso que faz o viver tão extraordinário: as surpresas que a vida nos oferece quando nos entregamos ao desconhecido.
Portanto, ao invés de se agarrar à ideia de viver conforme um roteiro pré-determinado, desafie-se a dançar fora da linha, a explorar os becos sem saída e a se jogar nos abismos da vulnerabilidade. O viver é uma tapeçaria de momentos, e muitas vezes são os fios mais soltos que criam os padrões mais belos. Aceite a arte de abandonar, e talvez, ao final do dia, você descubra que viver é, na verdade, uma celebração do que ainda não foi.
testa ampla
O ar subiu pelas suas narinas e ganharam seus pulmões. Ele sorriu. Era a satisfação em pessoa. Era um reflexo da vida que lhe sorria naquele átimo de tempo próprio para degustar a vida, o seu tempo, que passava implacavelmente, marcando cada friso em sua testa. Era isso que importava, viver cada respiro sem a preocupação do amanhã. Estar aqui presente e poder sentir o esplendor, que era ter essa percepção, trazia o frescor de existir, e mesmo que a sensação fosse fugaz, a percepção de viver completamente, sem precisar ir a lugar nenhum, por si só lhe bastava; sim, poder sentir o ar puro que soprava sobre ele e sua percepção de vida. Estava sozinho naquele instante juntamente com seu aparelho psíquico reconhecendo a sua existência, o seu viver. Era isso que importava verdadeiramente. Não só para ele. Respirou fundo e seguiu o seu caminho. A vida tinha de continuar.
sede de água
O velho Elias sabia que o rio estava contaminado, mas quando viu os lábios rachados do neto pedindo água, encheu o copo com mãos trêmulas e deu de beber ao menino. Pensamentos colidiam por todo seu cérebro enquanto via o menino virar quase num só gole a “água ruim”. Não devia da-lá ao neto, mas a sede do presente falava mais alto que os venenos do futuro. Sobrevivência era agora, mesmo que tivessem que ir em seguida ao hospital da fronteira, o lugar mais perto que ficava a alguns quilômetros dali. Viver, mesmo que só por mais alguns momentos, tinha prevalência no coração do velho Elias, que carregava na bagagem uma história de superação e não seria agora que pensaria duas vezes em lutar pela sua vida e a do neto. Tanto um quanto outro estavam no mesmo barco e não era possível viver sem água. O mantra da vida estampava: mais vale um segundo agora matando a sede que imaginar o pior futuramente. A vida não fazia concessões de nenhuma monta e viver o agora foi a melhor escolha. E ambos, por sorte ou outra coisa, sobreviveram sem maiores consequências.
A mente que ninguém ouvia
Clara tinha mente clara com toda a sorte do pleonasmo. Ela era capaz de elucubrações altaneiras que somente as esferas superiores engendravam. Mas ela tinha uma doença rara e fatal. Clara segurava as marcas da frágil condição humana. Seu corpo agora definhava no leito, mas seus olhos ardiam como brasas, sua jovialidade transmitia vivacidade, solapando a seu modo o que os médicos anotavam em suas fichas sobre a sua decadência física. Ela não estava mais interessada nisso – ou nunca esteve vai ver – porque o que a movia internamente era ter a mente clara como Clara, podendo viajar em versos e transcender a carne em sonetos que ninguém ouvia. Só ela.
a lente invertida
O céu estava cinza quando ela finalmente soltou a última fotografia ao vento. A imagem, desbotada pelo tempo, sumiu entre as folhas secas do outono. Ali, naquele parque vazio, ela percebeu que não precisava mais daquela lembrança para se sentir completa. Desnuda interiormente, sentia a brisa que roçava as folhas do Parque Continental. No ar soltou um suspiro que certamente tinha a essência da redenção pessoal proporcionada pelo próprio viver.
O Último Adeus
Ela o encontrou pela última vez em uma estação de trem, anos depois do que acontecera. Ele estava mais velho, com os olhos cheios de histórias que ela nunca conheceria. Não houve rancor, apenas um silêncio que dizia tudo. Quando o trem partiu, ela não chorou. Em vez disso, sorriu, porque finalmente entendera que alguns amores existem apenas para nos ensinar a deixar ir. A vitória consistia exatamente nisto: deixa ir o que foi vivido. Sem a carga emocional da idealização romântica.
as cartas não enviadas
Na gaveta da escrivaninha, pilhas de cartas amareladas contavam uma história de saudade. Ela as escrevera em noites insones, quando a falta dele doía como um corte aberto. Mas nenhuma delas foi enviada. Alguns sentimentos, ela aprendera, são como sementes que nunca devem ser plantadas. Vive-se melhor sem plantá-las, mas ao custo muitas vezes de uma indigesta racionalização. Queria até ter plantado-as, mas se germinassem poderiam comprometer todo uma safra de especiarias anímicas. Ali, gravada em sua alma, cabia uma história de saudade, mas ainda assim era vivido no presente.
a primeira despedida
Foi em um café, sob a luz dourada do entardecer, que ele disse que partiria. “Não é para sempre”, mentiu. Ela acreditou, porque o amor às vezes nos cega para a verdade mais simples: nada é para sempre. Naquele dia, ela guardou o açúcar que ele não usou no café, como se fosse uma relíquia sagrada. Um santo pacotinho de sua lembrança; boa o suficiente para crer que um dia poderia revê-lo. Seu amor vivia sempre aceso por sua esperança.
o início de tudo
Eles se conheceram em uma livraria, quando as mãos deles se tocaram ao alcançar o mesmo livro. “Você acredita em destino?”, ele perguntou, com um sorriso que prometia infinitas possibilidades. Ela riu, sem saber que aquele momento seria o primeiro de muitos que ela guardaria como tesouros, mesmo depois que tudo acabasse. Antes dele, havia apenas um vazio que ela nem sabia existir. Um espaço sem nome, sem forma, que só ganharia significado quando preenchido — e depois, quando esvaziado novamente. Era ali, nessa ausência primordial, que tudo começava: a promessa de algo que um dia iria doer, mas que, mesmo assim, valeria a pena. A grande retórica do viver a coisa.
O Café da Manhã
O dia ainda não despertou por completo. A cidade, lá fora, esfrega os olhos sob a névoa da madrugada, e o mundo parece suspenso entre o sonho e a pressa. Mas aqui, nesta cozinha silenciosa, o tempo se dobra em ritual sagrado. Momento único e suficientemente sentido como tal.
O vapor sobe da xícara em espirais delicados, desenhando no ar histórias que só o silêncio entende. O primeiro gole não é apenas líquido quente—é um encontro. O café, amargo e doce ao mesmo tempo, é como a manhã: forte o suficiente para despertar os sentidos, suave o bastante para acariciar a alma. Alma que viceja a vida, o viver intenso e profundo.
E então, naquele instante, nada mais existe. Não há ontens pesados, nem amanhãs incertos. Há apenas o pão fresco se desmanchando na boca, a geleia derramando seu rubro sorriso, e o simples milagre de estar vivo, sentado à mesa, como quem encontra um tesouro no meio do caminho.
Os pequenos momentos são assim—frágeis e eternos. Eles não batem na porta, não anunciam sua importância. Chegam de mansinho, como a luz que invade a sala sem pedir licença, e nos lembram: viver não é apenas atravessar o tempo, mas saboreá-lo, gole a gole, até a última gota.
E quando o café acaba, a xícara vira um testemunho. O dia pode começar. O coração, agora, está cheio. Viva!
O Sumo das Estações
A vida tem um jeito engraçado de virar história sem pedir licença. A gente passa pelos dias achando que está só cumprindo tarefas, matando tempo, seguindo o fluxo — até que, de repente, olha pra trás e percebe: aqueles momentos aparentemente banais eram capítulos. E o mais curioso? Mesmo quando não estávamos tentando “dar sentido” a nada, o sentido foi sendo tecido sozinho, feito um bordado invisível nas costas do tempo.
Viver intensamente não é (só) sobre aventuras épicas ou conquistas de capa de revista. Às vezes, a intensidade mora num café prolongado num dia comum, num silêncio que não precisou ser preenchido, numa risada que ninguém registrou no Instagram. São esses os fios que a memória guarda como tesouro, mesmo quando a gente nem sabia que estava colecionando algo.
Cada fase tem seu sabor peculiar — a doçura despreocupada da infância, o amargor cheio de energia da adolescência, o salgado complexo da vida adulta, o picante-surpresa da maturidade. E o engraçado é que raramente reconhecemos o gosto no momento em que está na boca; só mais tarde, quando o paladar muda, é que entendemos o que tínhamos.
Talvez seja por isso que tantas filosofias insistem no “viver o presente”. Não como um clichê de autoajuda, mas como um reconhecimento tácito: a vida está sempre fazendo seu trabalho de significado, mesmo quando a gente está distraído. Ela pega nossos tropeços, nossos tédios, nossos pequenos êxtases e, sem pressa, vai transformando tudo em narrativa.
E aí fica a dúvida: será que precisamos mesmo viver de maneira “intencionalmente significativa”, ou basta viver com os olhos — e o coração — abertos? Será que o sumo da existência não está justamente nos momentos em que esquecemos de perguntar qual é o sentido, porque estamos muito ocupados sentindo?
Quer saber, no fim, o tempo sempre revela seu próprio desenho. Resta saber se vamos reconhecer nele a obra-prima que, sem que percebêssemos, estávamos criando o tempo todo.
Viver na ambiguidade
Vivia na ambiguidade, na possibilidade de duas opções se arvorarem ao mesmo tempo. Lúcio se confundiu, mas precisava decidir. A favor ou contra, pesando-se as possibilidades, era necessário fazê-lo. A vida na ambiguidade persistiria de qualquer maneira. Lúcio hesitou no limiar da decisão. Cada opção era um universo inteiro, e escolher uma significava negar a outra — mas como desprezar o que também poderia ser?
Os dias se arrastaram, e ele percebeu que, mesmo sem escolher, o tempo escolhia por ele. A vida, afinal, não espera. Movia-se nas entrelinhas, nos gestos não feitos, nas palavras engolidas. Seus amigos interpretavam seu silêncio como aprovação; seus inimigos, como resistência. Lúcio virou um espelho: cada um via nele o que desejava.
Certa noite, sentado à beira do cais, observou o rio dividir-se em dois caminhos ao encontrar uma pedra. As águas se juntavam logo adiante, como se nada tivesse acontecido. Sorriu, então, não de alívio, mas de resignação.
No fim, ninguém soube se ele havia decidido. Alguns juraram tê-lo visto partir; outros afirmaram que ele nunca saíra do lugar. E a ambiguidade, como sempre, persistiu — não como fraqueza, mas como a única verdade que Lúcio conseguira habitar.